24 abril 2009

Tempo e graffiti

Pretendo abordar a relação entre inscrições parietais e passagem do tempo desde 2001, quando comecei a realizar a pesquisa para o Guia Ilustrado de Graffiti e Quadrinhos e encontrei inscrições datando de 1600 na casa patronal de Selva di Cadore (Italia).

Inscrições realizados sobre um afresco na casa patronal de Selva di Cadore, (Itália), registram datas e acontecimentos que marcaram a história da aldeia. Na inscrição: ‘no ano de 1695, o dia 12 de agosto caiu um (....) de noite que destruiu grande parte da roça’. Outras duas inscrições datam de 1776 e 1778.

Estas inscrições localizavam acontecimentos marcantes na história da aldeia: uma tempestade, um raio que queimou a campina etc. A prática foi muito comum nos edifícios públicos e nas igrejas de antigamente, antes que jornais e folhetos passassem a conservar a memória local de forma complementar aos documentos oficiais conservados em igrejas e instituições públicas.
Mas a produção de grafites sempre acompanhou a percepção da passagem do tempo por parte do homem: um dos mais antigos registros arqueológicos, o osso de Blanchart, apresenta um dispositivo rítmico que remete às fases da lua.

Um dos lados do osso de Abri Blanchart: segundo o pesquisador Alexander Marshack, o traçado rítmico das inscrições seria um registro das fases da lua.

A primeira percepção que temos do tempo é circular: dia e noite, estações etc. Os povos agricultores elaboraram símbolos como a espiral e a suástica para indicar o movimento de rotação e a passagem cíclica do tempo. Estes símbolos ficaram enraizados na nossa memória e continuaram sendo empregados até hoje por pichadores - como vimos aqui - mesmo com intenções e significados diferentes.


Suástica e símbolos empregados pelos Camuni ha 4.000 anos para representar o movimento de rotação e suástica utilizada como elemento decorativo numa pichação moderna.

Com o surgimento das cidades e a invenção da escrita começamos a ter registro de inscrições que extrapolam o âmbito sagrado. São mensagens deixadas pelo 'homem da rua' que indicam uma data o um acontecimento, como no caso de uma inscrição deixada em Pompéia antes de 79 d.C. época em que a cidade foi submersa por uma erupção do Vesuvio:
hic futui - XIX K Sep XIII K Sep (Aqui beijei em 14 e 20 de agosto).

Apesar de a maioria das inscrições de rua terem sido apagadas pela ação do tempo (o processo de erosão dos monumentos acentuou-se desde o século XX, com o aumento da poluição nas cidades) esta prática perpetrou-se praticamente inalterada até a segunda metade de 1900, quando às normais inscrições eróticas, políticas, poéticas etc. somou-se a ação 'profisional' dos 'writers' modernos originando o fenômeno urbano graffiti e pichação (lembramos que esta distinção existe apenas no Brasil) como o conhecemos hóje.

Inscrição na Igreja dos Escravo, em Sabará (MG) realizada por Mauro Faria em 1899 testemunha como esta prática perpetrou-se praticamente inalterada desde a antiguidade.

Como esta pesquisa ainda está longe de ser completa não vou me deter aqui demasiadamente sobre o tema, vou apenas disponibilizar, a seguir, alguns registros fotográficos recolhidos recentemente em Belo Horizonte, acompanhados de breves considerações.

Um clássico: datas gravadas no cimento de uma calçada do bairro Esplanada. Nenhuma inscrição complementar esclarece seu significado.


Aqui é claro que as datas se referem ao ano em que foram realizadas as inscrições por parte de grupos organizados de pichadores: na primeira foto, de 2002, aparece apenas 'Sonic' (Rua Pouso Alegre); na segunda imagem Dim e Lolo marcaram para 'os piores de belô' (viaduto na Av. Amazonas).


Esta inscrição, que acompanha uma intervenção dos ETS na av. do Contorno, é uma homenagem ao artista plástico Rui Santana, falecido em 2008.


Esta imagem da Savassi mostra o 'attak' de um pichador experiente que emprega a característica caligrafia 'embolada' do estilo 'carioquinha'. O autor complementou o 'tag' com os dizeres 'desde 1999': não é claro se esta é a data de nascimento do pichador ou o ano em que começou a pichar.
Abaixo desta data (ver o detalhe na foto abaixo) uma inscrição em canetão deixada por Nina dialóga com o tag e informa: 'desde 1983' - aqui sim, plausivelmente, o ano de nascimento da pessoa.





Pelo que soube, estas duas pichações realizadas no bairro Aparecida, trazem uma gíria importada dos Estados Unidos que indica o horário (4:20) em que os jovens daquele país acabam as aulas e podem fazer um 'recreio'.

23 de dezembro de 1999, 19:20. O pichador aqui sentiu a necessidade de entrar em detalhes para indicar o momento exato em que realizaou a pichação. O recado 'foi mau', talvez irônico, parece ter sido destinado ao/s autor/es de uma inscrição anterior em branco (... sou o rei APB AGS 001 CR) 'atropelado/s' por ele.

3 comentários:

Augusto Paim disse...

Piero, muito obrigado pelo comentário no cabruuum. Fiquei contente e vou procurar me informar mais sobre essa relação entre quadrinhos e arte rupestre.

No mais, não há pontos de venda da Graffiti aqui no sul, né? Muito difícil comprar, eu não tenho acesso as revistas... Pena mesmo!

Grande abraço.

Piero disse...

Oi Augusto!
Alguma coisa sobre a relação entre hq e pinturas rupestres ta no http://www.graffiti76.com/guia_1.html
eu também estou procurando mais fontes.

Nossa distribuição só alcança (mal) BH, SP e Rio. Mas sempre rola envio pelo correio: entra em contato pelo mail graffii@graffiti76.com para passar teu endereço.

Mais uma vez parabens pelo artigo na Continuum, um abraço

Anônimo disse...

bom cara marco nomes por aí tbm!
se quizer alguma informação!
mc_doop_buc@hotmail.com msn!
ou email felipe.rbds@gmail.com
abraço