30 março 2008

Arquetipos e graffiti

A idéia de uma atemporalidade dos temas e formas do graffiti surgiu na época da redação do Guia, quando com Pedro Portella constatamos a semelhança entre as vulvas documentadas por Leroi Gourhan nas pinturas dos caçadores do paleolítico e os grafites fotografados por Brassai em Paris no começo de 1900.

Acima: signos de vulvas inventariados por L. Gourhan. Os exemplos A1 e C (grão de café) foram registrados por Brassi nas fotografias ao lado.

Esta repetição já tinha sido evidenciada por Matisse num texto reportado no Guia pelo próprio Pedro:
  1. Ao examinar os grafites que mostram o sexo feminino (de forma simplificada) ele diz: “Desde os tempos mais antigos, ele é representado mais ou menos da mesma maneira: um ‘grão de café’... Conhece a zona de prostituição de Toulon? Esse sinal podia ser visto em toda parte nos muros. E cada prostíbulo trazia como insígnia este ‘grão de café’... ” BRASSAÏ, Georges. Conversas com Picasso. São Paulo: Cosac e Naify, 2000
Para nos esta constatação é particularmente interessante pois aproxima o grafite das práticas de culturas pré-modernas como as contempladas por Mircea Eliade no 'Mito do Eterno Retorno'. Estas culturas se caracterizam por uma concepção circular do tempo, distinta da noção de uma história 'linear' típica da cultura ocidental. A repetição de gestos paradigmáticos, ou seja, produzidos no começo dos tempos por um deus, herói ou ancestral, tem a função de anular o tempo entre quem realizou e quem realiza uma ação, fazendo com que a mesma se torne sagrada. Segundo Eliade, "para o homem arcaico a realidade é uma função da imitação de um arquétipo celestial" (Eliade, Mircea. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.). A prática das inscrições de rua e sua perpetuação ao longo do tempo, portanto, adquire outro valor, mesmo se acharmos que o caráter sagrado desta prática hoje se perdeu ou não é intencional (constatação da qual até certo ponto discordamos, como evidenciado no texto 'pichação e magia' publicado aqui). O que pretendo fazer, a seguir, é trazer mais exemplos de arquétipos presentes nas inscrições de rua, principalmente nas pichações.

25 março 2008

No caminho 2

No mesmo passeio ilustrado no post anterior encontrei estas pichações que remetem ao fenómeno da blidagem e da marcação do território. Esta disputa e a prática de 'atropelar' a inscrição de outro pichador caracteriza e enriquece ainda mais o conjunto de códigos desta vertente do graffiti - a pichação - que, como já dissemos muitas vezes e até onde sabemos, só existe no Brasil. No primeiro caso o grupo CCP atropela ioga:

Por sua vez os integrantes do CCP foram atropelados: o que chama atenção aqui é a repetição do atropelamento sobre cada uma das marcas. A repetição compulsiva do nome é ingrediente base da pichação.

No caso abaixo o 'atravessamento' da raposa do Cruzeiro remarca a forte ligação entre a pichação e as torcidas organizadas

Aqui o 'atropelamento' foi feito por um panfleto sobre o graffiti do Hyper. O fato de ter sido grudado no centro do mural demonstra uma tentativa de diálogo com a imagem.

21 março 2008

No caminho

Abaixo os grafites encontrados outro dia no caminho para o trabalho, ao longo da rua Pouso Alegre (Sta Tereza): Primero esta obra prima, que fica na parede de um centro cultural e, acredito, foi realizado pelo Ramon Martins.

Mais adiante um trow-up do amigo Arieth...

... e finalmente este belo painel assinado Hyper, DMS, Flow e Lukas...

com relativos testes de traço.

13 março 2008

Meus favoritos

Desde que desisti do carro tenho mais ocasiões de fotografar grafites nas ruas da cidade. Aí vai o primeiros registro de intervenções que chamaram minha atenção:

já falei aqui da relação entre pichação e magia. Achei curioso encontrar esta mensagem de símbolos, cujo sentido pode ser positivo ou negativo (a paz e a cruz invertida), próximo a um grafite ligado a alguma igreja. As instituições religiosas sempre tiveram uma relação ambígua com as imagens, justamente por sua interpretação ser demasiadamente livre e fugir do controle ou das intenções doutrinárias dos sacerdotes, que com o advento do monoteísmo preteriram justamente a escrita à imagem (no seio ao cristianismo pelo menos até o concílio de Nicéia, que liberou a produção de imagens para a pregação).

esta intervenção estava logo do lado, também na avenida Alvares Cabral. Pelo tema e estilo parece do Gud, ou Iron II... não reconheci, foi mal.

enfim gostei muito desta marca: pela plasticidade, hermetismo e caráter ideográfico.

Summa grafitistica


Curiosa composição nesta escadaria do centro de BH: ela reúne as quatro
principais vertentes do grafite moderno: trow-up, 'pichação' (na verdade um desenho rabiscado), sticker gigante e molde vazado.
Lembrei do conceito de 'obra fechada' que, na história da arte, acompanha a renascência. Nesta época em cidades como Pisa o batistero, a igreja e o cemitério eram agrupados num mesmo contexto para ressaltar a unidade (e a presência da Igreja) nas etapas da vida: nascimento, vida e morte...