24 julho 2007

C’é l’Avanguardia a fumetti? (2)


Então, em um exercício rápido, vamos às histórias desta Canicola número dois:
“Brodo di niente” (algo como “Sopa de Nada”), de Andrea Bruno, tem uma arte-final interessante. Grandes manchas de nanquim, como se a página estivesse borrada, criam os desenhos. A atmosfera é etérea, o mundo parece acabar. O personagem passeia por um bordel, pela rua, por um sonho de cemitério.
“L’albero delle scimmie” (“A árvore dos macacos”), de Edo Chieregiato e Michelangelo Setola, é a mais “carina” de todas, diriam os italianos. Ou seja, a mais bonitinha. Não tanto pelos desenhos, sujos e guturais, que recordam animações de Beavis e Butt Head. Mais pela linearidade da história de uma família que passa férias na praia, em meio a uma greve de fabricantes de cigarro - o que torna tudo bem estressante para o pai.
“I Vicini di casa” (“Os vizinhos”), de Giacomo Monti, traz uma aventura cotidiana, por meio de quadros esparsos pela página, criando composições irregulares. Os desenhos, pequeninos dentro dos quadros, criam uma sensação de vazio e solidão. Um sujeito se depara com um gato morto na porta de casa e inicia laboriosa jornada para saber se ele é de alguém do prédio. O resultado é uma reação típica em nossos tempos. Me parece que esta melancólica história se baseia em fatos reais.
“Fas”, de Davide Catania, é uma história sem texto, desenhada com giz de cera, o que confere bastante expressividade à arte. Mais à frente, temos “Nefas”, do mesmo autor, e que parece conversar com a anterior.
“Baobab”, de Amanda Vähämäki, a mais bela história de Canicola, tem narrativa apátrida, fora do tempo e do espaço, beirando o surrealismo. Os dois personagens, duas crianças, são senhoras de um mundo irreal. Lá, desdenham de adultos, conversam com gatos, se relacionam. Parece um filme do Kurosawa.

“L’asino e la capra” (“O asno e a cabra”), de Giacomo Nanni, deve tratar-se de uma fábula moderna. Não encontrei nexo - o que talvez signifique que não era mesmo para ser encontrado - e a arte não me seduziu.
“Provino” (“Prova”), de Alessandro Tota, recorda Andrea Pazienza. O autor, provavelmente, é fã e discípulo. Acho, porém, que Pazienza construía histórias meio sem pé nem cabeça porque ele realmente não sabia que fim dar a elas. Era algo original e sincero, ao contrário da obra de Tota.
“Um nome stupido”, história soturna, em grandes quadros, que me lembrou o trabalho do Paulo Barbosa (que publica na Graffiti). Bonita, e encerra o volume.

Depois que fiz este texto, percebi - e acho que deve ser óbvio, ao menos para o público italiano - que as histórias tratam de um tema, ou mais precisamente, de um estado de espírito. Um ritmo. Todas elas têm um mesmo ritmo, uma mesma pulsação. A revista saiu, segundo indica o editorial, no outono. No outono, lentamente, caminhamos para a escuridão do inverno. Tudo a ver com as histórias desta revista. Será que este é o tema, portanto? Outono? Ou será que eu é que encontrei - inventei - esta similaridade casual?

Talvez, ainda, seja esta a “vanguarda” que nos perguntam os editores, no início da revista, em tom desafiador.

C’é l’Avanguardia a fumetti?



É a pergunta que a revista italiana Canicola faz, a seus leitores mas também a si própria, no editorial de seu número dois. Existe vanguarda nos quadrinhos?

Antes de mais nada, é preciso apresentar: a Canicola é uma revista em formato A4, capa em papel ap encorpado, em duas cores, e miolo em ap mais fino, preto e branco. Traz nove histórias, de autores e estilos bastante diferentes entre si. Tudo indica que é uma publicação independente (ocorre lá também).

Agora, à resposta: não sei se existe vanguarda em quadrinhos, até porque o termo (consultei a enciclopédia) tem um significado vasto e irregular. Mas a Canicola é, em todo o caso, uma revista bonita, séria, de quadrinhos elegantes e variados. Há, sim, muito experimentalismo - técnico e narrativo. O resultado é uma publicação bem fora dos padrões comerciais - o que lhe confere, creio, a classificação de “underground”. Acho, entretanto, que os autores - os nove - não têm lá grandes pretensões no sentido de alterar o curso da história - a vanguarda deveria ter, certo? As histórias apenas entretêm, divertem, passam o tempo. Algumas fascinam, pelo acabamento apurado. Ok, de vez em quando fazem refletir.

Pode-se conferir algo mais da revista no site www.canicola.net

17 julho 2007

Tintim e os nossos tempos

Segundo noticiaram diversos blogs e sites de quadrinhos, a Comissão para Igualdade Racial, na Inglaterra, ordenou que as livrarias parem de vender "Tintim no Congo", álbum de estréia do célebre repórter belga, criado por Hergé. (No Brasil, foi publicado com o nome oportuno de "Tintim na África".)

A medida foi desencadeada por um sujeito que, visitando uma livraria com a família, se deparou com o conteúdo do álbum e o denunciou aos balconistas como sendo racista. De fato, a história de "Tintim no Congo" insiste na imagem clássica - sobretudo nos anos 30 - do branco dominante e do nativo ignorante, ingênuo e submisso. Por duas vezes, Hergé e seus editores tiveram de fazer alterações na história.

Duas coisas sobre o Tintim no Congo e sua proibição:
1. Não acho correta a proibição. Ok, pode-se plastificar o álbum, vedando-o, e fazer uma advertência na capa, dizer que o conteúdo do produto traz mensagens colonialistas, subversivas, impróprias, sei lá. Pode-se, também, contextualizar o leitor com uma introdução. A Bélgica, à época, era um país colonialista. O Congo era uma sua colônia, e isso era, senão imoral, perfeitamente aceitável do ponto de vista dos direitos internacionais. Não se trata, com isso, de justificar ou inocentar o autor, Hergé. Mas, à luz dos tempos, Tintim no Congo é hoje uma obra histórica, um documento de época, podendo ser analisada como tal. Existem incontáveis documentos e obras de cunho colonialista, pró-escravagista, fascista, nazista, racista, anti-semita e toda a ordem de amoralidades. Não se deve proibi-los, e sim contextualizá-los devidamente, para que sirvam de objeto de estudo.
2. A obra de Hergé explicita sua posição colonialista perante o mundo. Tintim é um civilizado, um correto, um modelo. A Sildávia, em "O Cetro de Otokar", por exemplo, está prestes a sofrer um golpe de estado. Querem derrubar o rei. E não é que Tintim intervém em favor do rei, em prol de manter a ordem prestabelecida? Não importa, para a história, se o rei é um monarca absoluto, um ditador. Importa apenas que Tintim vai salvar aquela gente do pior. É a mesma coisa com os congoleses: acreditem em Tintim, pois ele vem da Bélgica, país civilizado, avançado, rico. Sigam-no e vocês vão se dar bem. Esse gênero de personagem, que representa ideais e sentimentos de uma inteira nação, ficou conhecido nos quadrinhos como "o herói". Nos comics americanos da época, ele se traduziu na figura do Flash Gordon (1934) - que, ao contrário de Tintim, quer é derrubar o imperador, o maligno Ming (não, seus traços orientais, seu nome, seu quimono, seu bigode afinado e o nome de seu planeta - Mongo - não são mera coincidência). Outros personagens dos comics também trazem estas características: o "Fantasma", de Lee Falk (1936) é o senhor imortal de uma ilha distante, Bengala. Assim como Tintim, ele domina e educa os nativos - no caso, os pigmeus. Tarzan também é o rei branco das selvas. A mensagem de todas estas HQ's, todas clássicas, todas maravilhosas, é sempre a mesma: o mundo está errado, e só o herói poderá consertá-lo. Este mundo pode ser as fictícias Bengala ou Mongo, mas também pode ser um real Congo - e aí reside a diferença da obra de Hergé para os comics, contemporâneos seus. Hergé pecou ao colocar seu nacionalismo colonialista em nosso mundo, palpável e real. Um avião, um trem, ou mesmo um ônibus, separam Tintim do mundo certo e do mundo errado. Os comics, espertamente, expediram o mundo errado para além deste planeta, ou para confins inexplorados e selvagens. Porém, os personagens destes mundos são os mesmos personagens que habitam o Congo, a Sildávia ou a corrupta América de Tintim. Estão apenas disfarçados, travestidos. Por isso, considero um tanto hipócrita condenar Hergé - e somente ele. Os quadrinhos desta época - que é considerada a época de ouro dos quadrinhos - são revestidos de graves e explícitos indícios de nacionalismo exacerbado, e refletem claramente a postura dos países que produziam estes quadrinhos.

Em resumo, eu jamais irei proibir meus filhos de lerem Tintim ou qualquer outro quadrinho. É preciso, apenas, situar o leitor, para que ele não seja levado pela ignorância e pela irracionalidade.

Um Dia no Poppycorn


O album 'Um dia uma morte' foi resenhado ontem por Afonso Rodrigues do site Poppycorn. Reproduzimos abaixo um trecho:

100%Quadrinhos

A produção cultural independente existe para desvincular o produto de um sistema de acesso pelo público repleto de represamentos – a maioria deles ditados pelo mercado – que transformam o conhecimento e usufruto de determinados artistas em um verdadeiro martírio. O Brasil já descobriu este filão alternativo e, em alguns casos, a fórmula se mostra um sucesso: pululam por aí gravadoras de discos e editoras de livros que lançam no mercado uma produção cultural que termina por dar visibilidade a alguns artistas que no “esquemão” não teriam chance alguma, além de ter como linha geral, um respeito profundo à liberdade de criação, dando visibilidade àquilo que foge do padrão comercial. É neste nicho que a idéia das produções independentes se segura, já que permite aos artistas um maior conforto para que aconteçam as rupturas e a renovação das linguagens. É neste formato que a revista Grafitti 76% Quadrinhos, publicada em BH, trabalha desde 1995 e já publicou 16 exemplares com uma interessante amostragem de histórias em quadrinhos alternativas de autoria de artistas brasileiros, juntamente com entrevistas e outros assuntos, tendo sempre um material interessante para oferecer ao público.
Uma coisa é certa no projeto do grupo que coordena apublicação: privilegia-se o criativo. Conheci esta revista quando fui ao 6º. Salão do Livro na capital mineira, e virei um fã. Hoje estou aqui para comentar (e festejar) uma nova frente aberta pelos idealizadores desta publicação: o lançamento da coleção 100%Quadrinhos, uma série de novelas gráficas, que pretende lançar pelo menos dois números anualmente, sempre trazendo HQs produzidas por artistas nacionais.
Leia mais...
http://www.poppycorn.com.br/artigo.php?tid=1593

Um Dia no Bigorna

Leia um trecho da resenha do album Um Dia Uma Morte escrita por Eloyr Pacheco no site Bigorna.net em 13/07/2007

Impecável! Esse é o adjetivo que quero usar para qualificar Um Dia Uma Morte, de Fabiano Barroso e Piero Bagnariol. O álbum (já noticiado aqui) é o primeiro a ser lançado pelo selo Coleção 100% Quadrinhos, da Graffiti 76% Quadrinhos. O selo começa com “os dois pés direitos”! Comecemos pela parte gráfica: o projeto gráfico é requintado, o cuidado foi muito grande. Lombada quadrada, orelhas, capa em papel cartão com laminação fosca, miolo impresso (totalmente em cores) em papel couché... O projeto editorial é objetivo: introdução e vamos logo ao que interessa, a HQ. Créditos no lugar certo e uma quarta capa inteligente, basta.
Leia mais....
http://www.bigorna.net/index.php?secao=lancamentos&id=1184384837

06 julho 2007

Graffiti no UHQ


A Graffiti teve sua edição resenhada hoje no site Universo HQ, por José Oliboni. Reproduzo abaixo o trecho principal da crítica:

[Sinopse: Revista mix com diversas histórias em quadrinhos curtas, além de textos ilustrados e ensaios fotográficos, predominando temas político-sociais, principalmente sobre excluídos.

Positivo/Negativo: A Graffiti é uma revista já com um longo caminho trilhado e que, aparentemente, direciona bem o seu público. Desde a capa, mostra que tem pretensões maiores do que ser mais um título de quadrinhos para os leitores tradicionais.
Com ensaios fotográficos, textos ilustrados muito bem formulados e um forte tom de protesto em todas as HQs, nota-se que a revista quer passar um recado, que tem uma bandeira política (e isso não quer dizer que seja vinculada a algum partido) e deseja mudar a sociedade por meio da arte.
Apesar de toda a pretensão, a edição fica devendo na arte de algumas histórias, como A Curva do Rio e Amar É.... Ao mesmo tempo em que traz outras com um estilo bem formado, de alta qualidade e representatividade, casos de Criança de Domingo, Barroco e Morte Encomendada.
No geral, o nível das histórias é bom, o estilo pessoal de cada artista é bem marcado e, apesar de alguns deles ainda precisarem aprimorar um pouco seus traços, estão bem encaminhados.]


Eu gostaria de comentar esta crítica no próprio Universo HQ, mas o site não oferece este recurso - afinal, não é um blog. Por isso, comento aqui - que o José Oliboni nem ninguém lá do site fique bravo com isso.
Primeiro, sobre a "bandeira política": acho que uma coisa é uma proposta editorial - coisa que toda revista deve ter. Outra, bem diferente, é levantar bandeiras. A Graffiti recebe colaborações dos mais diversos autores, em estilos igualmente desiguais. Esta edição, ao contrário das anteriores, não teve um tema - ou seja, cada autor discorreu sobre o que quis. Em meio a essa profusão, encontramos uma hq de puro humor negro, "Morte Encomendada", do Irrthum, uma adaptação de conto infantil, feita por mim, uma hq em fotos ("Eu Nunca Nasci", a qual, suponho, Oliboni tenha se referido como "ensaio fotográfico"), além de poesia sarcástica ("A Morte do Lidador", de Guazzelli, que lida com velhice, Viagra e morte), delírio visual ("Galfanhus Sidsummus", de Alexandre, e "Barroco", do Caballero) e uma 'homenagem' (não sei se intencional) ao Guimarães Rosa, "A Curva do Rio", do Alves. A única HQ 'de protesto' é "Sai Sangue", de Sylvio Ayala, que para mim mais adota o estilo jornalístico do que propriamente levanta uma bandeira política.

Como dito acima, a Graffiti adota uma postura editorial. Experimentação, busca por novas e diferentes técnicas, liberdade de conteúdo, textos que estimulem o pensamento. Desta proposta saem histórias como "Amar É...", de Guga Schultze, totalmente desenhada via mouse no paintbrush. Ou "A Curva do Rio", que acaba de ganhar um importante prêmio no RS. Eu, sinceramente, se fosse fazer uma crítica sobre uma hq (qualquer hq), tomaria cuidado ao informar meus leitores que "a arte fica devendo". Esta informação, por si só, é subjetiva demais. Se a arte fica devendo, precisamos saber o porquê.

Por fim, uma sugestão: reviews de revistas independentes, como Graffiti, Ragu, ou mesmo a Front, poderiam ter um contato, um site, algo que os leitores podem acessar. Porque a distribuição destas revistas, como se sabe, é limitadíssima...

Bem, estas são somente observações turronas. Em todo o caso, a crítica é válida, fiquei mesmo feliz de ver a Graffiti lá, em meio aos reviews do Universo HQ, que gosto muito. Espero que possamos ter mais edições resenhadas pelo pessoal do site do Gusman (que prometeu uma resenha do Um Dia uma Morte, hein?).

02 julho 2007

Deu no site da Conrad

"A Relíquia de Marcatti é adotada por escola em BH

A bibliotecária Ana Carolina Dias dos Reis, do Colégio INED Lagoa da Pampulha, em Belo Horizonte – MG, adotou a adaptação do quadrinhista Marcatti para o romance A Relíquia de Eça de Queiroz para os alunos do ensino médio da escola. Ana Carolina tomou conhecimento da adaptação pela reportagem publicada no caderno Ilustrada na Folha de S. Paulo.

Fã de quadrinhos desde criança (“meus artistas favoritos são Laerte, Glauco, Angeli e Stan Lee”), Ana Carolina logo viu no livro uma boa maneira de colocar os jovens em contato com os clássicos: “Hoje em dia há muita competição com televisão, internet, iPods e etc. Essa é uma maneira gostosa de conhecer os clássicos, que são desprezados pela linguagem difícil”. Agora o livro faz parte de um projeto da disciplina de português dos alunos do segundo ano do ensino médio do colégio – que já estão se preparando para o vestibular."