A idéia de uma atemporalidade dos temas e formas do graffiti surgiu na época da redação do
Guia, quando com Pedro Portella constatamos a semelhança entre as vulvas documentadas por Leroi Gourhan nas pinturas dos caçadores do paleolítico e os grafites fotografados por Brassai em Paris no começo de 1900.
Acima: signos de vulvas inventariados por L. Gourhan. Os exemplos A1 e C (grão de café) foram registrados por Brassi nas fotografias ao lado.
Esta repetição já tinha sido evidenciada por Matisse num texto reportado no Guia pelo próprio Pedro:
- Ao examinar os grafites que mostram o sexo feminino (de forma simplificada) ele diz: “Desde os tempos mais antigos, ele é representado mais ou menos da mesma maneira: um ‘grão de café’... Conhece a zona de prostituição de Toulon? Esse sinal podia ser visto em toda parte nos muros. E cada prostíbulo trazia como insígnia este ‘grão de café’... ” BRASSAÏ, Georges. Conversas com Picasso. São Paulo: Cosac e Naify, 2000
Para nos esta constatação é particularmente interessante pois aproxima o grafite das práticas de culturas pré-modernas como as contempladas por Mircea Eliade no 'Mito do Eterno Retorno'. Estas culturas se caracterizam por uma concepção circular do tempo, distinta da noção de uma história 'linear' típica da cultura ocidental. A repetição de gestos paradigmáticos, ou seja, produzidos no começo dos tempos por um deus, herói ou ancestral, tem a função de anular o tempo entre quem realizou e quem realiza uma ação, fazendo com que a mesma se torne sagrada. Segundo Eliade, "para o homem arcaico a realidade é uma função da imitação de um arquétipo celestial" (Eliade, Mircea. Mito do eterno retorno. São Paulo: Mercuryo, 1992.). A prática das inscrições de rua e sua perpetuação ao longo do tempo, portanto, adquire outro valor, mesmo se acharmos que o caráter sagrado desta prática hoje se perdeu ou não é intencional (constatação da qual até certo ponto discordamos, como evidenciado no texto 'pichação e magia' publicado aqui). O que pretendo fazer, a seguir, é trazer mais exemplos de arquétipos presentes nas inscrições de rua, principalmente nas pichações.
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