Ali pela metade da década de 90 – século passado – existia, no bairro Carlos Prates, um estúdio de produção, fomento e troca de ideias sobre histórias em quadrinhos. Este local, que chamávamos Estúdio HQ, era mantido por nós, da Graffiti, e por mais um punhado de quadrinistas de Belo Horizonte.
Certo dia, em uma manhã escura e tempestuosa de sábado, apareceram no estúdio dois jovens cartunistas vindos de Lagoa Santa. Queriam mostrar o trabalho, conversar, participar da desorganizada efervescência que promovíamos por aqueles tempos. Um destes cartunistas era o Alves.
Alves nos mostrou sua pasta de desenhos. Não lembro de tudo o que tinha nela, mas me recordo com nitidez das tiras do Gronk, ainda inéditas, e que posteriormente seriam publicadas em jornais de BH, além de outras tiras com animais, que denotavam sua admiração pelo tema e uma certa influência – saudável – do Níquel Náusea do Fernando Gonsáles.
E recordo, sobretudo, daquilo que realmente me chamou a atenção, desde o princípio, nos cartuns e desenhos do Alves: o humor! O trabalho dele – que, como eu, como nós, era um iniciante – tinha algo difícil de obter, algo que não se ensina da noite para o dia. Era engraçado. Fazia rir! E aí eu olhava pros desenhos, e olhava pro Alves, ali, sentado, meio desconfiado, matuto, aguardando um parecer qualquer sobre suas artes, eu fazia isso e ria muito, ria por dentro e por fora, gargalhava mesmo. O humor puro, que é universal e atemporal, faz isso com o espírito. E eu, que nunca fui profeta, naquele momento desvendei o futuro do Alves. Em meio àquela profusão de gente que era o Estúdio HQ, havia pessoas com talento e pessoas sem talento, mas ninguém seria tão bom cartunista quanto o Alves. Há ofícios que são pura técnica. Dentre eles, não se enquadra o cartum. No cartum, há sim técnica, mas os 90% principais são feitos de algo que não se explica, que costumamos chamar de dom, ou de centelha, mas que na verdade pode se dizer que é uma mistura correta de timing, bom senso e humor. Como num bom coquetel, tudo na medida certíssima.
O tempo passou, a jovem promessa se tornou um premiado e conhecido autor. Várias histórias do Alves já foram publicadas na Graffiti, na Mad e em outras revistas. Seus cartuns, ilustrações e charges saíram em alguns dos principais periódicos do país. Sem contar os diversos e importantes prêmios - do Salão de Piracicaba ao de Volta Redonda, passando pelo do Rio de Janeiro, de Foz do Iguaçu e outros mais. Mas faltava em seu currículo algo como este A rua de lá – uma história em quadrinhos longa, onde o autor pudesse experimentar e expressar muitas outras
de suas virtudes, para além do humor – que, se há nesta história, há apenas no traço, cômico por natureza – , como a sua herança literária e as sensibilidade para com suas recordações.
Sim, porque A rua de lá é autobiográfico. Fala de uma época em que as coisas não eram para ponderar. Fala também de um lugar, uma cidadezinha, que é a cidade do Alves, Lagoa Santa, mas é também todas as cidades do interior do Brasil. Porque o Brasil tem a infância de todo mundo, esse período da vida que é da brincadeira, da descoberta, do monstro, do superheroi, dos bichos, da mãe, da amizade e da solidão. Essa época maravilhosa que nos molda e nos torna inevitavelmente adultos.
Tudo isso – e muito mais – é filtrado pelos olhos do Alves, da criança que foi o Alves, e que está aí, retratada de forma honesta e singela, nesta pequena obra que tenho o orgulho de apresentar e que, espero, você tenha o mesmo prazer que eu tive ao ler e apreciar.
Portanto, não me resta que desejar boa leitura!
Da introdução de Fabiano Barroso
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